segunda-feira, 16 de abril de 2018
Tragédia Shakesperiana
Jorge olhou seu relógio
O horário de almoço corria
Mas ainda havia tempo
De dar um beijo na esposa
Jorge corria
O horário de almoço voava
No celular uma mensagem dela:
'Fiz frango hoje'
Jorge olhou para os dois lados
Dava tempo de atravessar
Mesmo que fora da faixa
Dava tempo...
Mas o carro, corria
Jorge olhou para cima
Os vultos da multidão se aglomerando
Impediam de ver Deus
Ela não estava lá.
Tinha muita gente, mas ele estava sozinho
E quem não está?
Mas morrer assim?
Sem a receber a unção? Sem ver a família?
Sem ninguém a sua cabeceira?
Sem a aposentadoria, a velhice tranquila?
Sem o barulho dos netos brincando no quintal?
Por que Jorge?
Um homem tão calmo
Bom funcionário
Um pai dedicado
Um bom cristão
Torcedor do Vasco
Fã de Legião
Um homem sempre tão discreto e banal
Agora é ator de sua própria tragédia
Escrita com sangue e ossos moídos
Seu último suspiro
E o aplauso da plateia